Você não toma as próprias
decisões e boa parte do que vê não é real. É apenas uma ilusão criada pelo seu
cérebro, que passa pelo menos 4 horas por dia enganando você aplicando truques.
Que realmente acontece
dentro da mente?
Ele engana. Ele toma
decisões irracionais, que vão contra os seus interesses. Você não está no
controle da própria mente. Mas não se preocupe: você é normal. Não é maluco e
possui um cérebro perfeito, como o de qualquer outra pessoa. Só que ele inventa
coisas para iludir você. Não é por mal. É só uma maneira de economizar energia.
O cérebro humano é o objeto mais complexo do Universo. Tem 100 bilhões de
neurônios, que podem formar 100 trilhões de conexões. Se fosse possível criar
um computador com o mesmo número de circuitos do cérebro, ele consumiria uma
quantidade absurda de eletricidade: 60 milhões de watts por hora. Mas o cérebro
humano gasta pouquíssima energia, 20 watts, menos que uma lâmpada. E mesmo
assim consegue fazer coisas extremamente sofisticadas, de que nenhum computador
é capaz. Mas isso tem um preço. O seu cérebro não consegue analisar as
situações de forma completamente racional, avaliando todas as variáveis
envolvidas em cada caso. Para fazer isso, ele precisaria de ainda mais circuitos
e muito mais energia. Mas, ao longo da evolução, a natureza encontrou uma
solução: o cérebro pode mentir para seu dono. Descartar informações, manipular
raciocínios e até inventar coisas que não existem. Dessa forma, é possível
simplificar a realidade e reduzir drasticamente o nível de processamento
exigido dos neurônios. Tudo começa pela visão. Você não percebe, mas o cérebro
edita o que você vê. Das 16 horas por dia que uma pessoa passa acordada, em
média, 4 horas são preenchidas por imagens "artificiais" que não foram
captadas pelos olhos, e sim criadas pelo cérebro. O olho humano só capta
imagens com clareza em uma pequena parte, a fóvea (ou mancha amarela), que tem
1 milímetro de diâmetro e fica no centro da retina. Então, para compor a imagem
que você está vendo agora, os seus olhos estão constantemente em movimento.
Eles focam determinado ponto e depois pulam para o ponto seguinte. Cada um
desses saltos tem duração de 0,2 segundo. O problema é que a cada pulo desses,
enquanto os olhos estão se movendo para a próxima posição, o cérebro deixa de
receber informação visual por 0,1 segundo. Durante esse tempo, você está cego.
E, como nossos olhos fazem pelo menos 150 mil pulos todos os dias, o resultado
são 4 horas diárias de cegueira involuntária. Você não percebe isso porque o
cérebro preenche esses momentos com imagens artificiais, que dão a sensação de
movimento contínuo. Mas que, na prática, você não viu. O que você enxerga não é
o que está acontecendo é o que vai acontecer no futuro. Isso acontece porque a
informação captada pelos olhos não é processada imediatamente. Ela tem de
passar pelo nervo óptico e só depois chega ao cérebro. O processo leva frações
de segundo, e você não pode esperar: um atraso na visão pode fazer com que você
seja atropelado ao atravessar a rua, por exemplo. Então, o que faz o cérebro?
Inventa. Analisa os movimentos de todas as coisas e fabrica uma imagem que não
é real, contendo a posição em que cada coisa deverá estar 0,2 segundo no
futuro. Você não vê o que está acontecendo agora, e sim uma estimativa do que irá
acontecer daqui a 0,2 segundo. De acordo com o psicólogo Daniel Kahneman que ganhou
o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas por suas pesquisas sobre o comportamento
humano, o cérebro tem dois tipos de pensamento. O primeiro é rápido e intuitivo
e confia na experiência, na memória e nos sentimentos para tomar decisões. O
segundo é lento e analítico e serve como uma espécie de guardião do primeiro. Se
o pensamento intuitivo não existisse, seria extremamente difícil escolher uma
roupa ou responder a perguntas banais, do tipo "como você está?" ou
"gostou do filme?". De certa forma, o pensamento intuitivo é o que
nos diferencia dos robôs. E é ele que permite ao cérebro processar informações
na velocidade necessária. Ele é mais influente. É o autor secreto de muitas
decisões e julgamentos que você faz. Esse duelo entre os dois tipos de
pensamento, o rápido-intuitivo e o lento-analítico, também tem uma explicação
evolutiva. O córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo
processamento lógico, surgiu relativamente tarde na evolução da espécie humana.
Já as emoções e os instintos estavam com nossos ancestrais há muito mais tempo.
Por isso elas são tão fortes e nos influenciam tanto. A filosofia considera o
ser humano um animal racional, mas é que apenas em certas circunstâncias e à
custa de muito esforço conseguimos ser racionais. O pensamento intuitivo está
sempre presente, até nas situações em que a racionalidade é supremamente
importante. Um estudo de pesquisadores das universidades de Ben Gurion, em
Israel, e Columbia, nos EUA, analisou o comportamento de juízes que deveriam
decidir sobre a liberdade condicional de presos (um processo rápido, que leva 6
minutos). Em média, somente 35% dos condenados ganhavam a condicional. Mas os
cientistas perceberam que os juízes eram muito mais benevolentes depois de
comer. Quando eles tinham acabado de fazer uma refeição, a taxa de aprovação
subia para 65%. Com o passar do tempo, a fome vinha chegando, e a concessão de
liberdade condicional ia caindo. Minutos antes do próximo lanche, o índice de
aprovação era quase zero. Decidir sobre liberdade condicional e julgar a
própria felicidade são tarefas complexas. Para avaliar todas as variáveis
envolvidas, muitas delas subjetivas, o cérebro tenderia a ficar sobrecarregado.
Por isso, ele usa atalhos. Os nossos problemas são resolvidos no piloto
automático, através de soluções que a cultura já embutiu no nosso cérebro. Estudos
têm revelado outra distorção: toda pessoa quase sempre tende ao otimismo, mesmo
quando não há motivos para isso. A pesquisadora Tali Sharot, da University
College London, gravou a atividade cerebral de voluntários enquanto eles
imaginavam situações banais como tirar uma carteira de identidade. Ela também
pediu que os voluntários pensassem em coisas do passado. Os testes mostraram
que as mesmas estruturas cerebrais são ativadas para recordar o passado e
imaginar o futuro. Só que, ao imaginar o futuro, os voluntários criavam
cenários magníficos. Era o cérebro tentando colorir os eventos sem graça. Cerca
de 80% das pessoas têm tendência ao otimismo, algumas mais do que outras. O
otimismo é sempre mais comum que o pessimismo, seja qual for a faixa etária ou
o grupo socioeconômico da pessoa. Assim, muitas vezes não acreditamos que algo
vá dar errado mesmo quando o mais racional seria pensar que sim. As taxas de
divórcio, por exemplo, chegam a 40%, 50%, mas as pessoas que estão para casar
sempre estimam suas chances de separação em 0%. Segundo o estudo, a inclinação
natural ao otimismo também é um dos fatores que levam as crises econômicas
globais. As pessoas acham que os mercados continuam subindo cada vez mais e
ignoram as evidências contrárias.
As manipulações
criadas pelo cérebro afetam até a capacidade mais essencial do ser humano:
tomar as próprias decisões. Quando você decide alguma coisa, na verdade o cérebro
já decidiu com uma antecedência que pode chegar a 10 segundos. Uma experiência
feita no Centro Bernstein de Neurociência Computacional, em Berlim, comprovou
que as nossas escolhas são resolvidas pelo cérebro antes mesmo de chegarem à
consciência. Voluntários foram colocados em frente a uma tela na qual era
exibida uma seqüência aleatória de letras. O voluntário tinha que escolher uma
das letras e apertar um botão sempre que ela aparecesse. Os cientistas
monitoraram o cérebro dos participantes durante o experimento. E chegaram a uma
descoberta impressionante: 10 segundos antes de os voluntários escolherem uma
letra, sinais elétricos correspondentes a essa decisão já apareciam nos
córtices frontopolar e medial, as regiões do cérebro ligadas à tomada de
decisões. Cinco segundos antes de o voluntário apertar o botão, o cérebro
ativava os córtices motores, que controlam os movimentos do corpo. Isso
significa que, 10 segundos antes de você fazer conscientemente uma escolha, o
seu cérebro já tomou a decisão para você e até já começou a mexer a sua mão. O
cérebro restringe previamente as suas possíveis opções e, pior ainda, escolhe
uma delas antes mesmo que você se dê conta. É possível lutar contra isso? Sim, com
o pensamento lento-analítico. Basta colocá-lo em ação tendo calma, refletindo
sobre as coisas e duvidando das suas escolhas e opiniões. Os truques do cérebro
são poderosos, mas não invencíveis.
Você é realmente livre
para tomar as próprias decisões?
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