Quem quisesse entender a mente humana só tinha uma coisa a fazer:
especular. Mas eis que, na década de 1990, os cientistas puderam ver nosso
cérebro em pleno funcionamento. Tecnologias avançadas pareciam colocar a mente
humana finalmente ao alcance. Começa a emergir, em um grupo eclético de
pesquisadores, a sensação de que todas as imagens coloridas do sistema nervoso
em ação não passam de miragem. Ainda estamos muito longe de compreender como o
cérebro produz a consciência. Quando se fala em imagens do cérebro, ver pode
equivaler a acreditar, mas não necessariamente a compreender. A grande questão
é o que se pode e o que não se pode saber sobre o funcionamento do cérebro.
Estamos falando de um sistema nervoso com cerca de 600 trilhões de conexões
paralelas, trabalhando de forma frenética para manter nosso corpo funcionando.
O que chamamos de consciência é uma parte relativamente pequena dessa conta.
Ironicamente, é onde tudo parece se complicar. Um dos lampejos mais antigos da
neurociência é o de que o cérebro é dividido em módulos. Cada pedaço seria
responsável por certa função. Mas as coisas não são tão simples assim. No
cérebro, temos um fenômeno conhecido como plasticidade. É a capacidade de
modificar as conexões cerebrais para adquirir novas habilidades. Graças a essa
capacidade constante de reorganização, podemos aprender novas coisas e produzir
memórias. Ou sofrer um acidente cerebral, mas recuperar movimentos na fisioterapia,
ou tocar piano muito bem (a área do cérebro responsável pelo movimento dos
dedos se expande nos pianistas). A plasticidade foi confirmada e reforçada em
anos recentes com técnicas que permitem ver o cérebro trabalhando em tempo
real. O novo passo é, nessa tempestade de impulsos elétricos, conseguir ver
imagens usando ressonância magnética funcional. Os vídeos gerados não são uma
perfeição, mas permitem ver vultos das imagens a que as pessoas foram expostas
enquanto estavam na máquina de ressonância. No futuro será possível gravar
sonhos para rever na televisão quando estiver acordado. Inovações como essas
fazem parecer que, finalmente, o entendimento de como funciona nosso pensamento
está a apenas um passo ou dois de ser compreendida. Às vezes, os
neurocientistas se entusiasmam tanto que começam a imaginar ter explicado
coisas que estão longe de ser resolvidas. A despeito de inferências bem
informadas, o maior desafio do imageamento é que é muito difícil os cientistas
olharem para um ponto ativo em uma imagem cerebral e concluírem com certeza o
que está acontecendo na mente da pessoa. Há fatores intangíveis na compreensão
da mente que nunca surgirão em imagens cerebrais. O domínio neurobiológico é de
cérebros e causas físicas. O domínio psicológico é de pessoas e seus motivos.
Ambos são essenciais para um entendimento completo de por que agimos como
agimos. Um dos desafios das pesquisas de
neurociência é que, para correlacionar um tipo de pensamento a um padrão de
atividade cerebral, é preciso que o voluntário relate o que está pensando. Aí
fica fácil dizer que visualizaram "amor" ou "ódio" no
cérebro. Mas é quase uma redundância. O voluntário já sabia o que estava
sentindo, e não precisava de uma imagem cerebral para provar! Por outro lado,
sem a informação de quem está "do lado de dentro" da mente, o padrão
de atividade em si não permite mais que inferências muito gerais.
Salvador Nogueira, obrigado.
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