Quem é fluente em mais de seis línguas tem um título maior:
hiperpoliglota. O termo foi definido em 2003 pelo linguista britânico Richard
Hudson. Ao estudar comunidades poliglotas, ele descobriu que o número máximo de
idiomas falados em comum por todos os moradores é seis. Ainda não se sabe o
motivo exato de serem seis línguas. O que se sabe é que os hiperpoliglotas são
diferentes de bilíngues ou meros falantes de três ou quatro línguas. E que os
limites do cérebro deles podem ajudar a ciência a buscar os limites do nosso
cérebro. Aprender línguas na infância faz toda a diferença. Após a puberdade,
os hormônios dificultam a reprodução de um sotaque mais autêntico. Vários
estudos comprovaram essa tese. Isso ocorre porque, com o tempo, o cérebro
parece endurecer. Conforme crescemos, ele forma estruturas neurais confiáveis
para orientar as ações que tomamos. É uma base de conhecimento que guia as
experiências e responde às situações do dia a dia. À medida que mais estruturas
neurais se formam, o cérebro perde flexibilidade. E ela é importante para
aprender coisas complexas, como falar uma língua. Pesquisadores acreditam que
os hiperpoliglotas conseguem prolongar essa plasticidade. Falar pode parecer um
ato simples, mas exige várias tarefas do cérebro: percepção auditiva, controle
motor, memória semântica, sequenciamento de palavras. Para assimilar um novo
idioma, o cérebro precisa entender as estruturas do som e das palavras. E, até
chegar a isso, o aprendizado percorre um longo caminho pelos hemisférios
esquerdo e direito do cérebro. Com vários pontos de parada, não é difícil perceber
a complexidade disso tudo. E cada coisa nova que se aprende (como tocar um
instrumento musical) não percorre exatamente o mesmo caminho. Já se sabe que
aprendemos melhor uma língua na infância. Mas essa vantagem da juventude não se
estende, necessariamente, a todos os outros aprendizados da vida. Ser um gênio
no piano porque começou a tocar aos 5 anos pode não ter nada a ver com plasticidade.
Ou seja, por mais que hiperpoliglotas consigam adiar o enrijecimento do
cérebro, a maior contribuição deles para a ciência é outra: acúmulo de
conhecimento. Memória. Aprender dezenas
de línguas não é o mesmo que ser fluente em várias ao mesmo tempo. Michael
Erard realizou uma pesquisa com 172 hiperpoliglotas e constatou que a maioria
pode manter de 5 a 9 línguas ativas na memória. As outras ficam guardadas em
outra área, a memória de longo prazo, como se fossem arquivos comprimidos no
computador. O conhecimento está lá, mas não pode ser acionado instantaneamente.
Leva um tempo para reabri-los. Há uma reprogramação no cérebro. Agora imagine
conversar em 10 idiomas ao mesmo tempo. A quantidade de línguas que um hiperpoliglota
controla ao mesmo tempo dá uma dimensão do espaço da memória ativa. E, apesar
de treino, expandir essa caixa não parece muito possível. Informações novas
chegam, velhas vão para a memória de longo prazo. Ou somem. Se por um lado a memória ativa guarda
relativamente pouca coisa, a memória de longo prazo tem um espaço maior. E mais
flexível. Mas é aí que outros pontos entram em cena. O primeiro é a genética. E
motivação é fundamental. A genética ajuda, mas o fator determinante é outro: a
velha e batida vontade de aprender. Essas pessoas mostram que é possível
expandir a capacidade de guardar informações na caixinha de longo prazo, sem
precisar de um QI acima da média. Se a memória ativa mostra um limite pouco
mutável, a memória de longo prazo parece aumentar de acordo com a vontade de
cada um. A neurocientista Ellen Bialystock, da Universidade de York, no Canadá,
afirma que pessoas que falam mais línguas apresentam maior capacidade de
concentração e se tornam mais distantes do Mal de Alzheimer. Ela estudou casos
de 211 pacientes e concluiu que os bilíngues adiaram os sintomas da doença em
até 5 anos, quando comparados a um monolíngue. Eles mantêm o cérebro ativo. Mas
com a internet no bolso e várias maneiras tecnológicas de guardar e acessar
informação, qual é a utilidade prática da memorização? Precisamos decorar menos
informações. E a nossa cabeça já está mudando. Estudos indicam que o Google
modificou a memória das pessoas: deixamos de decorar quando sabemos que há uma
fonte externa de armazenamento de informação. Pare e pense: quantos números de
telefone você sabe de cor? Provavelmente bem menos do que sabia antes da
popularização das agendas nos celulares. Ficamos apegados ao fato de que a
tecnologia aumenta exponencialmente o acesso à informação e conhecimento. A
internet parece cuidar cada vez mais disso. Expandir a memória é difícil, mas
possível. O desafio maior é querer.
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