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24/02/2015

Bilíngues, poliglotas e hiperpoliglotas.

Quem é fluente em mais de seis línguas tem um título maior: hiperpoliglota. O termo foi definido em 2003 pelo linguista britânico Richard Hudson. Ao estudar comunidades poliglotas, ele descobriu que o número máximo de idiomas falados em comum por todos os moradores é seis. Ainda não se sabe o motivo exato de serem seis línguas. O que se sabe é que os hiperpoliglotas são diferentes de bilíngues ou meros falantes de três ou quatro línguas. E que os limites do cérebro deles podem ajudar a ciência a buscar os limites do nosso cérebro. Aprender línguas na infância faz toda a diferença. Após a puberdade, os hormônios dificultam a reprodução de um sotaque mais autêntico. Vários estudos comprovaram essa tese. Isso ocorre porque, com o tempo, o cérebro parece endurecer. Conforme crescemos, ele forma estruturas neurais confiáveis para orientar as ações que tomamos. É uma base de conhecimento que guia as experiências e responde às situações do dia a dia. À medida que mais estruturas neurais se formam, o cérebro perde flexibilidade. E ela é importante para aprender coisas complexas, como falar uma língua. Pesquisadores acreditam que os hiperpoliglotas conseguem prolongar essa plasticidade. Falar pode parecer um ato simples, mas exige várias tarefas do cérebro: percepção auditiva, controle motor, memória semântica, sequenciamento de palavras. Para assimilar um novo idioma, o cérebro precisa entender as estruturas do som e das palavras. E, até chegar a isso, o aprendizado percorre um longo caminho pelos hemisférios esquerdo e direito do cérebro. Com vários pontos de parada, não é difícil perceber a complexidade disso tudo. E cada coisa nova que se aprende (como tocar um instrumento musical) não percorre exatamente o mesmo caminho. Já se sabe que aprendemos melhor uma língua na infância. Mas essa vantagem da juventude não se estende, necessariamente, a todos os outros aprendizados da vida. Ser um gênio no piano porque começou a tocar aos 5 anos pode não ter nada a ver com plasticidade. Ou seja, por mais que hiperpoliglotas consigam adiar o enrijecimento do cérebro, a maior contribuição deles para a ciência é outra: acúmulo de conhecimento. Memória.  Aprender dezenas de línguas não é o mesmo que ser fluente em várias ao mesmo tempo. Michael Erard realizou uma pesquisa com 172 hiperpoliglotas e constatou que a maioria pode manter de 5 a 9 línguas ativas na memória. As outras ficam guardadas em outra área, a memória de longo prazo, como se fossem arquivos comprimidos no computador. O conhecimento está lá, mas não pode ser acionado instantaneamente. Leva um tempo para reabri-los. Há uma reprogramação no cérebro. Agora imagine conversar em 10 idiomas ao mesmo tempo. A quantidade de línguas que um hiperpoliglota controla ao mesmo tempo dá uma dimensão do espaço da memória ativa. E, apesar de treino, expandir essa caixa não parece muito possível. Informações novas chegam, velhas vão para a memória de longo prazo. Ou somem.  Se por um lado a memória ativa guarda relativamente pouca coisa, a memória de longo prazo tem um espaço maior. E mais flexível. Mas é aí que outros pontos entram em cena. O primeiro é a genética. E motivação é fundamental. A genética ajuda, mas o fator determinante é outro: a velha e batida vontade de aprender. Essas pessoas mostram que é possível expandir a capacidade de guardar informações na caixinha de longo prazo, sem precisar de um QI acima da média. Se a memória ativa mostra um limite pouco mutável, a memória de longo prazo parece aumentar de acordo com a vontade de cada um. A neurocientista Ellen Bialystock, da Universidade de York, no Canadá, afirma que pessoas que falam mais línguas apresentam maior capacidade de concentração e se tornam mais distantes do Mal de Alzheimer. Ela estudou casos de 211 pacientes e concluiu que os bilíngues adiaram os sintomas da doença em até 5 anos, quando comparados a um monolíngue. Eles mantêm o cérebro ativo. Mas com a internet no bolso e várias maneiras tecnológicas de guardar e acessar informação, qual é a utilidade prática da memorização? Precisamos decorar menos informações. E a nossa cabeça já está mudando. Estudos indicam que o Google modificou a memória das pessoas: deixamos de decorar quando sabemos que há uma fonte externa de armazenamento de informação. Pare e pense: quantos números de telefone você sabe de cor? Provavelmente bem menos do que sabia antes da popularização das agendas nos celulares. Ficamos apegados ao fato de que a tecnologia aumenta exponencialmente o acesso à informação e conhecimento. A internet parece cuidar cada vez mais disso. Expandir a memória é difícil, mas possível. O desafio maior é querer.

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