O nosso cérebro “aproveita” velhas estruturas neurais
para lidar com questões trazidas pelos avanços da sociedade tecnológica. Internet, redes sociais, smartphones. Estes exemplos
recentes de desenvolvimentos trazidos pelo grande avanço tecnológico da
Humanidade nas últimas décadas se juntam a vários outros surgidos ao longo de
séculos que obrigaram o cérebro humano a lidar com informações e processos de
formas bem diferentes às que evoluiu para operar durante milhões de anos. Mas,
apesar disso, ele se adaptou a estes desafios, recrutando o trabalho de
circuitos e estruturas neuronais originalmente construídas para atender outras
demandas. Esta capacidade de flexibilizar e combinar o uso de diversas regiões
cerebrais para cumprir novas finalidades é alvo de diversos estudos na área da
neurociência social. Esta “reutilização” de áreas do cérebro para novas
finalidades pode ser dividida basicamente em três tipos, cada um atuando em
diferentes escalas de tempo. O primeiro, que classificaram como
“reaproveitamento evolucionário”, também é observado em animais e consiste em
“usar o que está à mão” para resolver um novo problema. Tais mudanças
aconteceriam lentamente, ao curso de várias gerações, e emergiriam graças a
processos de seleção natural, daí seu nome. Segundo elas, um exemplo disso em
humanos é sua natureza altamente gregária, não vista na grande maioria de
outras espécies de animais, que nos faz predispostos a cooperar e formar fortes
e prolongados laços com outras pessoas sem fins reprodutivos e mantê-los mesmo
à distância. As redes sociais humanas são particularmente vastas, estáveis e
com uma organização complexa. Nossas interações com os outros são guiadas tanto
por nossos laços diretos quanto por relações com terceiras partes (amigos de
amigos). Para navegar neste complexo mundo social, nossos cérebros precisam
monitorar e codificar o espaço psicológico entre nós mesmos e os outros, e as
pesquisas sugerem que a representação desta distância de nós nos laços sociais
se baseia nos mecanismos envolvidos na representação de distâncias no espaço
físico, indicando que expressões como ‘amigo próximo’ e ‘parente distante’
sejam sintomáticas desta reorganização do cérebro. Já as outras duas formas de
reaproveitamento de estruturas cerebrais para atender novas demandas seriam
exclusivas de humanas e baseadas em nossas próprias habilidades cognitivas. A
primeira delas, batizada “reaproveitamento cultural”, estaria relacionada aos
processos pelos quais adquirimos invenções culturais, como linguagem,
apreciação musical ou sistemas religiosos, durante nossas vidas. De acordo com
as pesquisadoras, um exemplo claro disso é a leitura, em que regiões do cérebro
que evoluíram para diferenciar rostos e formas de objetos, capacidades que foram
fundamentais à nossa sobrevivência, são cooptadas e por vezes até
“sequestradas” para fazer o reconhecimento de letras e sinais gráficos. Por
fim, há ainda o que elas classificaram como “reaproveitamento instrumental”, em
que constantemente usamos de forma criativa e intencional antigas estruturas
cerebrais para influenciar nosso comportamento e o dos outros. É o caso, por
exemplo, de mecanismos usados para chamar a atenção para problemas globais,
como pobreza, fome, doenças ou as mudanças climáticas. Quando apresentadas de
forma ampla e racional, tais questões não costumam provocar fortes reações, mas
quando somos colocados à frente de um único e claro exemplo de vítimas delas,
entram em ação circuitos cerebrais associados a comportamentos sociais básicos herdados
dos tempos em que vivíamos em pequenas comunidades de caçadores e coletores,
numa estratégia muito usada em campanhas de doação ou alerta para enfrentá-las.
Estes reaproveitamentos nos permitem fazer muito com pouco. Nossos cérebros têm
a flexibilidade para formar novas combinações de computações preexistentes e
usá-las rapidamente em novos contextos. Entender esta nossa caixa de
ferramentas cognitivas é um primeiro passo para entender como podemos melhor
usá-la para enfrentar os problemas modernos que nossos cérebros não evoluíram
para resolver.
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