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27/02/2015

Como o nosso cérebro se adapta?

O nosso cérebro “aproveita” velhas estruturas neurais para lidar com questões trazidas pelos avanços da sociedade tecnológica. Internet, redes sociais, smartphones. Estes exemplos recentes de desenvolvimentos trazidos pelo grande avanço tecnológico da Humanidade nas últimas décadas se juntam a vários outros surgidos ao longo de séculos que obrigaram o cérebro humano a lidar com informações e processos de formas bem diferentes às que evoluiu para operar durante milhões de anos. Mas, apesar disso, ele se adaptou a estes desafios, recrutando o trabalho de circuitos e estruturas neuronais originalmente construídas para atender outras demandas. Esta capacidade de flexibilizar e combinar o uso de diversas regiões cerebrais para cumprir novas finalidades é alvo de diversos estudos na área da neurociência social. Esta “reutilização” de áreas do cérebro para novas finalidades pode ser dividida basicamente em três tipos, cada um atuando em diferentes escalas de tempo. O primeiro, que classificaram como “reaproveitamento evolucionário”, também é observado em animais e consiste em “usar o que está à mão” para resolver um novo problema. Tais mudanças aconteceriam lentamente, ao curso de várias gerações, e emergiriam graças a processos de seleção natural, daí seu nome. Segundo elas, um exemplo disso em humanos é sua natureza altamente gregária, não vista na grande maioria de outras espécies de animais, que nos faz predispostos a cooperar e formar fortes e prolongados laços com outras pessoas sem fins reprodutivos e mantê-los mesmo à distância. As redes sociais humanas são particularmente vastas, estáveis e com uma organização complexa. Nossas interações com os outros são guiadas tanto por nossos laços diretos quanto por relações com terceiras partes (amigos de amigos). Para navegar neste complexo mundo social, nossos cérebros precisam monitorar e codificar o espaço psicológico entre nós mesmos e os outros, e as pesquisas sugerem que a representação desta distância de nós nos laços sociais se baseia nos mecanismos envolvidos na representação de distâncias no espaço físico, indicando que expressões como ‘amigo próximo’ e ‘parente distante’ sejam sintomáticas desta reorganização do cérebro. Já as outras duas formas de reaproveitamento de estruturas cerebrais para atender novas demandas seriam exclusivas de humanas e baseadas em nossas próprias habilidades cognitivas. A primeira delas, batizada “reaproveitamento cultural”, estaria relacionada aos processos pelos quais adquirimos invenções culturais, como linguagem, apreciação musical ou sistemas religiosos, durante nossas vidas. De acordo com as pesquisadoras, um exemplo claro disso é a leitura, em que regiões do cérebro que evoluíram para diferenciar rostos e formas de objetos, capacidades que foram fundamentais à nossa sobrevivência, são cooptadas e por vezes até “sequestradas” para fazer o reconhecimento de letras e sinais gráficos. Por fim, há ainda o que elas classificaram como “reaproveitamento instrumental”, em que constantemente usamos de forma criativa e intencional antigas estruturas cerebrais para influenciar nosso comportamento e o dos outros. É o caso, por exemplo, de mecanismos usados para chamar a atenção para problemas globais, como pobreza, fome, doenças ou as mudanças climáticas. Quando apresentadas de forma ampla e racional, tais questões não costumam provocar fortes reações, mas quando somos colocados à frente de um único e claro exemplo de vítimas delas, entram em ação circuitos cerebrais associados a comportamentos sociais básicos herdados dos tempos em que vivíamos em pequenas comunidades de caçadores e coletores, numa estratégia muito usada em campanhas de doação ou alerta para enfrentá-las. Estes reaproveitamentos nos permitem fazer muito com pouco. Nossos cérebros têm a flexibilidade para formar novas combinações de computações preexistentes e usá-las rapidamente em novos contextos. Entender esta nossa caixa de ferramentas cognitivas é um primeiro passo para entender como podemos melhor usá-la para enfrentar os problemas modernos que nossos cérebros não evoluíram para resolver.

 

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